Chris Ware, autor de Jimmy Corrigan e da série Acme Novelty Library, foi contratado para fazer a arte da capa da revista Fortune 500, que lista as 500 maiores fortunas do Mundo. Ware zombou dos ricaços, que foram desenhados dançando no topo de um edifício enquanto o resto da população sofre horrores com a crise financeira e o descaso do governo. A arte foi rejeitada pela revista. Ware pode perder o trabalho, mas não perde a piada.
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
quarta-feira, 29 de dezembro de 2010
Uma vida inteira em 72 páginas, por Chris Ware
Poucas vezes o autor de quadrinhos Chris Ware foi tão impiedoso com um personagem. Sua mais recente novela gráfica devassa a vida de Jordan Lint, desde o berço até o leito de morte. Seus sentimentos e atitudes ora tocantes, ora detestáveis, são mostrados sem condescendência. Não há heróis nem vilões nesta obra de Ware, e não há conclusões fáceis. Acme Novelty Library 20 é um livro deliciosamente incômodo.
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Jordan Lint é um sujeito bem comum, a criança problemática que se torna o valentão da classe e na vida adulta acumula relacionamentos desastrosos. A história de sua vida se torna interessante pelo modo como é contada. O autor acerta ao equilibrar os aspectos positivos e negativos da personalidade de Lint, e deixar que o leitor julgue o personagem. Ele é o garoto que agride os colegas e o homem que trai as mulheres, mas também é a criança que perdeu a mãe e foi criada por um pai racista; pode ser cruel e egoísta, mas também é uma vítima. E embora viva muitos momentos felizes, Lint nunca deixa de ser perseguido por seus fantasmas.
A história é contada de modo fragmentado, construída com uma sucessão de narrativas curtas (geralmente de uma página) que mostram diferentes aspectos da personalidade do protagonista. Ware corta e reconstrói habilmente o fluxo do tempo: a passagem de vários anos tranqüilos é resumida em uma página de apenas seis quadrinhos, enquanto um instante mais intenso pode aparecer também em uma página, mas na forma de um mosaico de mais de trinta quadrinhos.
O traço do autor continua claro, simples e geométrico, e as cores são sempre agradáveis, mas algumas ousadias visuais aparecem em momentos estratégicos. Logo no início do livro, o nascimento e a infância de Jordan Lint são mostrados com desenhos extremamente simples, que vão ficando gradualmente mais realistas enquanto o personagem se aproxima da idade adulta. O estilo da arte muda radicalmente para um rabiscado quase infantil quando Lint lê um relato escrito por seu filho, numa passagem que também é uma homenagem declarada ao estilo visual primitivo do autor de quadrinhos underground Gary Panter. O delírio simétrico da última página encerra o livro com perfeição visual e narrativa (mas o leitor cuidadoso perceberá que Ware estende o final da história até a última capa do livro).
Acme Novelty Library 20 (ou “Lint”, como já é chamada por alguns leitores) faz parte do arco de histórias do personagem “Rusty Brown”, assim como a também excelente Acme 19, mas se sustenta individualmente. O autor não se acomodou e optou por um estilo narrativo mais denso e direto que em Jimmy Corrigan , sua obra mais conhecida (e a única publicada no Brasil). Está entre as mais belas criações de Chris Ware, e sem dúvida foi uma das melhores novelas gráficas lançadas nos EUA em 2010.
Autor: Chris Ware
Editora: Drawn and Quarterly
Ano de Edição: 2010
72 páginas
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Arte Original de Jim Woodring
Os roteiros de Jim Woodring podem ser incompreensíveis, mas seus desenhos são sempre fantásticos! Algumas páginas originais de Congress of the Animals, a próxima HQ de Jim, foram divulgadas no blog da editora Fantagraphics.
domingo, 5 de dezembro de 2010
Monstros, fantasmas e pragas adolescentes em Big Baby, de Charles Burns
Tony Delmonto, também conhecido como Big Baby, poderia ser um típico garoto norte-americano, se não fosse por seu rosto de bebê e por estar sempre topando com monstros, pragas adolescentes e fantasmas de meninos mortos. Tony, como muitos garotos de sua idade, é extremamente imaginativo, tem um melhor amigo e adora HQs e filmes de terror e ficção científica.
A coletânea Big Baby reúne cinco HQs protagonizadas pelo personagem criado por Charles Burns e publicadas entre 1983 e 1999. Nas duas HQs mais antigas Burns ainda desenha os personagens de modo um pouco caricatural e cômico. Mas a partir de Teen Plague, a terceira história do livro, vemos a arte extraordinária e inconfundível que ficaria bem conhecida na novela gráfica Black Hole. Uma arte precisa e sombria, mesmo nas cenas diurnas. Tudo que Burns desenha parece moldado a partir da mesma matéria negra e brilhante. Se Jaime Hernandez é perfeito no equilíbrio entre branco e preto nos quadrinhos, Burns é mestre no domínio opressivo das sombras negras sobre o branco.
Teen Plague parece um ensaio para Black Hole. Também trata de uma doença transmitida entre adolescentes, causando alterações físicas e alucinações. A imaginação de Tony Delmonto nunca para de trabalhar: o garoto acredita que uma praga está se espalhando quando vê um chupão no pescoço de uma garota. Por coincidência, Tony está lendo uma HQ em que invasores do espaço contaminam os humanos, deixando uma marca semelhante. A ironia é que realmente existe uma praga se espalhando, embora nada tenha a ver com ETs ou chupões. Burns consegue equilibrar horror e humor de modo refinado, e ainda homenageia os quadrinhos violentos publicados pela EC Comics nos anos 1950.
O clima de horror se insinua desde o início das narrativas, mas o autor sabe a hora exata de surpreender o leitor. A violência é usada de modo ponderado, ao contrário da maioria das HQs e filmes do gênero.
Graças a obras como Skin Deep, Big Baby e Black Hole, Charles Burns já pode ser considerado um dos principais autores de quadrinhos de horror de todos os tempos.
Autor: Charles Burns
Editora: Fantagraphics Books
Ano de edição: 2007
96 páginas
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Neil Gaiman seleciona as melhores HQs americanas recentes
Neste quinto volume da coletânea anual The Best American Comics estão reunidas algumas das melhores HQs publicadas nos EUA – por autores norte-americanos ou residentes nos EUA – entre Setembro de 2008 e Agosto de 2009. O editor responsável pela seleção final das histórias da antologia muda todo ano. Em edições passadas, o posto foi ocupado por personalidades do mundo dos quadrinhos alternativos como Harvey Pekar, Chris Ware e Charles Burns. O escolhido para a edição deste ano foi Neil Gaiman (autor de Sandman), muito mais mainstream que seus predecessores, o que gerou certo temor de que obras alternativas ficassem de fora.
A seleção de Gaiman realmente não surpreende pela ousadia, privilegiando narrativas mais longas e tradicionais, mas abrange grande variedade de estilos, e o resultado até que é bem interessante.
Entre as melhores HQs selecionadas, três alcançaram um grande público e já foram publicadas no Brasil: Genesis de Robert Crumb, Asterios Polyp de David Mazzucchelli e Scott Pilgrim vs. The Universe de Bryan Lee O´Malley. Nenhuma dessas poderia ficar de fora, mas chamam mais a atenção obras pouco conhecidas, como a sensacional Acme Novelty Library 19, de Chris Ware.
Cada página de Ware parece minuciosamente planejada, entrelaçando diversos tempos narrativos sem complicar a leitura. Perfeito desde os traços limpos e estilizados até a escolha das cores. Os personagens são tão bem construídos que é impossível não compartilhar seus sofrimentos. O trecho selecionado por Gaiman dá apenas uma idéia da complexidade narrativa da HQ.
Outras obras se destacam. The Lagoon, de Lilli Carré é uma história misteriosa e sobrenatural, com bela arte em preto e branco. Gilbert Hernandez, co-criador da cultuada revista Love and Rockets, ilustra um divertido e ligeiro roteiro de ficção científica escrito por seu irmão Mario. Fatos históricos são retratados nos quadrinhos de Michael Cho – a história da criação da primeira bomba atômica – e Josh Neufeld – os efeitos do furacão Katrina.
O único super-herói que aparece no livro é o obscuro Omega The Unknown, publicado pela Marvel por um breve período durante os anos 1970, e recentemente recriado pelo escritor Jonathan Lethem com a ajuda de vários artistas. A introdução da HQ ficou excelente nos traços primitivos de Gary Panter, veterano dos quadrinhos alternativos.
Devido ao limitado espaço disponível, a coletânea apresenta apenas trechos de no máximo 30 páginas das HQs escolhidas, funcionando como um guia para despertar o interesse do leitor. Embora tenham ficado de fora desta edição autores importantes como Kaz e Jaime Hernandez, The Best American Comics continua cumprindo o papel de apresentar um panorama da produção de quadrinhos norte-americanos contemporâneos.
Autores: Vários
Editor: Neil Gaiman
Ano de Edição: 2010
Editora: Houghton Mifflin Harcourt
352 páginas
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
A perturbadora Love and Rockets New Stories n.3
Ao contrario das duas edições anteriores, o terceiro número de Love and Rockets New Stories dificilmente passará despercebido. Seja pela qualidade das HQs, seja por algumas das mais estranhas imagens de sexo e violência já vistas em uma obra dos irmãos Hernandez.
Costuma-se dizer que Jaime Hernandez é melhor desenhista que roteirista, enquanto Gilbert Hernandez cria ótimas histórias e artes apenas medianas. Mas não é bem assim.
Gilbert acertou a mão logo em 1983, no terceiro número da revista Love and Rockets original, quando começou a contar histórias ambientadas na fictícia cidade de Palomar. Muitos viram nessas histórias grande qualidade literária e semelhanças com o realismo mágico das narrativas do escritor Gabriel Garcia Marquez, e a partir de então a obra de Gilbert passou a receber merecidos elogios. O talento de Jaime levou mais tempo para aparecer. Sempre com os mesmos personagens – principalmente as garotas Hopey e Maggie – foi aos poucos abandonando a ficção científica para criar narrativas mais realistas. Em Vida Loca 2 (The Death of Speedy Ortiz), publicada na Love and Rockets 22 (1987), sua arte e narrativa já estão maduras, mas o reconhecimento da crítica só viria com Flies on the Ceiling, alguns anos depois.
Após o cancelamento da revista Love and Rockets em 1996, Gilbert mergulhou em experimentações narrativas e enredos surreais, tanto em novelas gráficas como em HQs curtas. Jaime, por sua vez, continuou desenvolvendo o universo de Hopey e Maggie, acrescentando novos personagens e dando mais complexidade e profundidade aos já existentes.
Em Love and Rockets New Stories n.3 Gilbert parece ter perdido o rumo. Violência gratuita e bizarrices sexuais indescritíveis infestam suas HQs neste volume. Gilbert havia mostrado obsessão por cenas violentas em suas recentes novelas gráficas Chance in Hell (2007) e Speak of the Devil (2008), mas nunca de forma tão gratuita, com histórias tão frouxas e vazias, ainda mais se comparadas com as três densas narrativas que Jaime apresenta no mesmo livro.
A primeira HQ de Jaime neste volume, The Love Bunglers Part One, pode parecer um pouco ingênua, mostrando o cotidiano de Maggie, mas é apenas o prólogo da tragédia que será mostrada em seguida, em Browntown.
Nas 30 paginas de Browntown Jaime consegue reunir uma variedade incrível de emoções, costuradas de modo preciso e sutil. A HQ narra um episódio da adolescência de Maggie, a partir da mudança de sua família para uma cidade pequena e monótona. O que de início parece ser um drama adolescente – Maggie se sente infeliz e solitária na nova cidade – com breves seqüências de humor protagonizadas pelos irmãos da garota, logo evolui para uma história de dissolução familiar, abuso sexual e assassinato. Jaime passa da comédia para a tragédia com naturalidade impressionante. A última HQ do livro, The Love Bunglers Part Two, faz a conexão entre as duas HQs anteriores de modo inesperado. Jaime encerra sua narrativa de modo pungente, mas habilmente evita o dramalhão. A última página da HQ é tão simples e despojada quanto angustiante, e certamente deixará o leitor com um nó na garganta.
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Nestas três HQs Jaime Hernandez mostra absoluto domínio sobre sua arte. Nos desenhos é um mestre no equilíbrio entre o branco e preto. Seus traços simples e precisos ilustram com perfeição tanto as seqüências cômicas quanto as dramáticas. Sua técnica narrativa é discreta. Jaime, que também é o autor da melancólica e belíssima arte da capa do volume, talvez tenha atingido, com Brownton, o ponto mais alto de sua carreira.
Título: Love and Rockets New Stories n.3
Autores: Gilbert Hernandez e Jaime Hernandez
Editora: Fantagraphics Books
Ano de Edição: 2010
104 páginas
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Eagle, a inovadora publicação que levou os britânicos ao espaço
Eagle foi uma revolucionária, popular e influente revista britânica voltada para crianças e adolescentes. Publicada entre os anos de 1950 e 1969, combinava histórias em quadrinhos e matérias sobre esportes e ciências. Em suas páginas nasceu o personagem de ficção científica Dan Dare, que continua na ativa em HQs escritas por autores como Grant Morisson e Garth Ennis.
O idealizador da Eagle foi o vigário anglicano Marcus Morris, que buscava um jeito inovador de transmitir os ideais da igreja aos jovens. Embora detestasse a violência dos quadrinhos de terror, Morris estava ciente de que nenhuma publicação britânica possuía a qualidade gráfica dos gibis americanos de crime, horror e guerra que tinham se tornado populares entre os jovens britânicos após a Segunda Guerra. Com a ajuda do artista Frank Hampson, desenvolveu o modelo do que seria a Eagle: Uma publicação moderna e educativa, que usaria a linguagem dos quadrinhos para transmitir valores morais de modo sutil, sem preconceitos étnicos e sem impor ideais religiosos.
A publicação foi um sucesso desde a primeira edição, que vendeu cerca de 900.000 cópias. Enquanto as publicações concorrentes mais se pareciam com livros ilustrados contendo longos e enfadonhos textos educativos, a Eagle era mais leve e direta. A arte dos quadrinhos era irretocável e as magníficas ilustrações eram modernas e coloridas. Todas as edições traziam pelo menos um cutaway – ilustração de um veículo moderno, cortada de modo que se pudessem ver as peças em seu interior.
O grande talento da Eagle foi Frank Hampson, criador e principal ilustrador do personagem Dan Dare. A arte de Hampson era extremamente detalhista, e a qualidade da colorização muito superior a dos gibis norte-americanos.
Para atingir um efeito mais realista, personagens e objetos eram desenhados a partir de modelos ou fotos. Muitas vezes a própria equipe de ilustradores posava para a criação da arte.
Os roteiros das aventuras espaciais eram ingênuos, mas havia grande preocupação com a plausibilidade científica. O escritor Arthur C. Clarke contribuiu como consultor para várias HQs.
Hampson abandou definitivamente as HQs de Dan Dare em 1959 e o personagem passou a ser desenhado por outros artistas. A última HQ de Dan Dare para a Eagle foi publicada em 1967, com arte bem inferior a dos anos 1950.
A derradeira contribuição de Hampson para a Eagle foi a HQ The Road of Courage, sobre a vida de Jesus Cristo, feita a partir de minuciosa pesquisa iconográfica.
A partir de meados da década de 1960 as vendas da publicação caíram drasticamente. Os editores tentaram acompanhar as mudanças de comportamento dos leitores, incluindo matérias sobre música pop, mas pouco adiantou. Em meio à explosão da contracultura, a publicação parecia irremediavelmente reacionária.
A última edição da Eagle saiu em Abril de 1969, poucos meses antes da chegada do homem à Lua. A Eagle serviria de modelo para incontáveis publicações em todo o mundo. Dan Dare se tornaria personagem de programas de rádio e TV, seria citado em músicas do Pink Floyd (Astronomy Domine) e David Bowie (D.J.) e serviria de inspiração para vários outros personagens de ficção científica. A arte de Dave Gibbons seria muito influenciada pelo estilo de Hampson. Dan Dare também é citado em The League of Extraordinary Gentlemen: Black Dossier, de Alan Moore.
Várias coletâneas foram lançadas reunindo material da Eagle. Em geral esses livros mais se parecem com cadernos de recortes – um amontoado de matérias, ilustrações reduzidas e HQs incompletas, com poucas informações sobre os autores. Mesmo assim certas matérias acabaram adquirindo um humor involuntário, como esta abaixo, que mostra como seriam os computadores pessoais nos anos 1990.
Algumas propagandas também se tornaram hilárias, como a deste brinquedo dos anos 1960, obviamente perigoso. Será que o Inmetro aprovaria?
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