quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A perturbadora Love and Rockets New Stories n.3


Ao contrario das duas edições anteriores, o terceiro número de Love and Rockets New Stories dificilmente passará despercebido. Seja pela qualidade das HQs, seja por algumas das mais estranhas imagens de sexo e violência já vistas em uma obra dos irmãos Hernandez.

Costuma-se dizer que Jaime Hernandez é melhor desenhista que roteirista, enquanto Gilbert Hernandez cria ótimas histórias e artes apenas medianas. Mas não é bem assim.

Gilbert acertou a mão logo em 1983, no terceiro número da revista Love and Rockets original, quando começou a contar histórias ambientadas na fictícia cidade de Palomar. Muitos viram nessas histórias grande qualidade literária e semelhanças com o realismo mágico das narrativas do escritor Gabriel Garcia Marquez, e a partir de então a obra de Gilbert passou a receber merecidos elogios. O talento de Jaime levou mais tempo para aparecer. Sempre com os mesmos personagens – principalmente as garotas Hopey e Maggie – foi aos poucos abandonando a ficção científica para criar narrativas mais realistas. Em Vida Loca 2 (The Death of Speedy Ortiz), publicada na Love and Rockets 22 (1987), sua arte e narrativa já estão maduras, mas o reconhecimento da crítica só viria com Flies on the Ceiling, alguns anos depois.
Após o cancelamento da revista Love and Rockets em 1996, Gilbert mergulhou em experimentações narrativas e enredos surreais, tanto em novelas gráficas como em HQs curtas. Jaime, por sua vez, continuou desenvolvendo o universo de Hopey e Maggie, acrescentando novos personagens e dando mais complexidade e profundidade aos já existentes.

Em Love and Rockets New Stories n.3 Gilbert parece ter perdido o rumo. Violência gratuita e bizarrices sexuais indescritíveis infestam suas HQs neste volume. Gilbert havia mostrado obsessão por cenas violentas em suas recentes novelas gráficas Chance in Hell (2007) e Speak of the Devil (2008), mas nunca de forma tão gratuita, com histórias tão frouxas e vazias, ainda mais se comparadas com as três densas narrativas que Jaime apresenta no mesmo livro.

A primeira HQ de Jaime neste volume, The Love Bunglers Part One, pode parecer um pouco ingênua, mostrando o cotidiano de Maggie, mas é apenas o prólogo da tragédia que será mostrada em seguida, em Browntown.

Nas 30 paginas de Browntown Jaime consegue reunir uma variedade incrível de emoções, costuradas de modo preciso e sutil. A HQ narra um episódio da adolescência de Maggie, a partir da mudança de sua família para uma cidade pequena e monótona. O que de início parece ser um drama adolescente – Maggie se sente infeliz e solitária na nova cidade – com breves seqüências de humor protagonizadas pelos irmãos da garota, logo evolui para uma história de dissolução familiar, abuso sexual e assassinato. Jaime passa da comédia para a tragédia com naturalidade impressionante. A última HQ do livro, The Love Bunglers Part Two, faz a conexão entre as duas HQs anteriores de modo inesperado. Jaime encerra sua narrativa de modo pungente, mas habilmente evita o dramalhão. A última página da HQ é tão simples e despojada quanto angustiante, e certamente deixará o leitor com um nó na garganta.
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Nestas três HQs Jaime Hernandez mostra absoluto domínio sobre sua arte. Nos desenhos é um mestre no equilíbrio entre o branco e preto. Seus traços simples e precisos ilustram com perfeição tanto as seqüências cômicas quanto as dramáticas. Sua técnica narrativa é discreta. Jaime, que também é o autor da melancólica e belíssima arte da capa do volume, talvez tenha atingido, com Brownton, o ponto mais alto de sua carreira.


Título: Love and Rockets New Stories n.3
Autores: Gilbert Hernandez e Jaime Hernandez
Editora: Fantagraphics Books
Ano de Edição: 2010
104 páginas

Um comentário:

  1. Oi, Gustavo!

    Concordo com tudo que você escreveu, inclusive, fiquei realmente feliz de encontrar algo tão recente relacionado à Love and Rockets EM PORTUGUÊS. Nunca gostei muito de Gilbert, apesar de respeitar seu trabalho, mas sou completamente fissurada pelo trabalho de Jaime. Como ilustradora, nunca vi tanta perfeição em tão poucas linhas e contrastes... Como você disse em seu texto, essa capa é de uma beleza muda, como se fosse uma fotografia perdida mesmo. Fora o roteiro perfeitamente encaixado com tudo que já conhecemos sobre os personagens e ainda assim, reservando surpresas. Acredito também que essa história possa virar um clássico como Death of Speedy e Flies. Não sei se te parabenizo ou agradeço pelo texto, mas na dúvida: parabéns e obrigada!

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