quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Neil Gaiman seleciona as melhores HQs americanas recentes


Neste quinto volume da coletânea anual The Best American Comics estão reunidas algumas das melhores HQs publicadas nos EUA – por autores norte-americanos ou residentes nos EUA – entre Setembro de 2008 e Agosto de 2009. O editor responsável pela seleção final das histórias da antologia muda todo ano. Em edições passadas, o posto foi ocupado por personalidades do mundo dos quadrinhos alternativos como Harvey Pekar, Chris Ware e Charles Burns. O escolhido para a edição deste ano foi Neil Gaiman (autor de Sandman), muito mais mainstream que seus predecessores, o que gerou certo temor de que obras alternativas ficassem de fora.

A seleção de Gaiman realmente não surpreende pela ousadia, privilegiando narrativas mais longas e tradicionais, mas abrange grande variedade de estilos, e o resultado até que é bem interessante.

Entre as melhores HQs selecionadas, três alcançaram um grande público e já foram publicadas no Brasil: Genesis de Robert Crumb, Asterios Polyp de David Mazzucchelli e Scott Pilgrim vs. The Universe de Bryan Lee O´Malley. Nenhuma dessas poderia ficar de fora, mas chamam mais a atenção obras pouco conhecidas, como a sensacional Acme Novelty Library 19, de Chris Ware.


Cada página de Ware parece minuciosamente planejada, entrelaçando diversos tempos narrativos sem complicar a leitura. Perfeito desde os traços limpos e estilizados até a escolha das cores. Os personagens são tão bem construídos que é impossível não compartilhar seus sofrimentos. O trecho selecionado por Gaiman dá apenas uma idéia da complexidade narrativa da HQ.


Outras obras se destacam. The Lagoon, de Lilli Carré é uma história misteriosa e sobrenatural, com bela arte em preto e branco. Gilbert Hernandez, co-criador da cultuada revista Love and Rockets, ilustra um divertido e ligeiro roteiro de ficção científica escrito por seu irmão Mario. Fatos históricos são retratados nos quadrinhos de Michael Cho – a história da criação da primeira bomba atômica – e Josh Neufeld – os efeitos do furacão Katrina.


O único super-herói que aparece no livro é o obscuro Omega The Unknown, publicado pela Marvel por um breve período durante os anos 1970, e recentemente recriado pelo escritor Jonathan Lethem com a ajuda de vários artistas. A introdução da HQ ficou excelente nos traços primitivos de Gary Panter, veterano dos quadrinhos alternativos.


Devido ao limitado espaço disponível, a coletânea apresenta apenas trechos de no máximo 30 páginas das HQs escolhidas, funcionando como um guia para despertar o interesse do leitor. Embora tenham ficado de fora desta edição autores importantes como Kaz e Jaime Hernandez, The Best American Comics continua cumprindo o papel de apresentar um panorama da produção de quadrinhos norte-americanos contemporâneos.

Autores: Vários
Editor: Neil Gaiman
Ano de Edição: 2010
Editora: Houghton Mifflin Harcourt
352 páginas

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

A perturbadora Love and Rockets New Stories n.3


Ao contrario das duas edições anteriores, o terceiro número de Love and Rockets New Stories dificilmente passará despercebido. Seja pela qualidade das HQs, seja por algumas das mais estranhas imagens de sexo e violência já vistas em uma obra dos irmãos Hernandez.

Costuma-se dizer que Jaime Hernandez é melhor desenhista que roteirista, enquanto Gilbert Hernandez cria ótimas histórias e artes apenas medianas. Mas não é bem assim.

Gilbert acertou a mão logo em 1983, no terceiro número da revista Love and Rockets original, quando começou a contar histórias ambientadas na fictícia cidade de Palomar. Muitos viram nessas histórias grande qualidade literária e semelhanças com o realismo mágico das narrativas do escritor Gabriel Garcia Marquez, e a partir de então a obra de Gilbert passou a receber merecidos elogios. O talento de Jaime levou mais tempo para aparecer. Sempre com os mesmos personagens – principalmente as garotas Hopey e Maggie – foi aos poucos abandonando a ficção científica para criar narrativas mais realistas. Em Vida Loca 2 (The Death of Speedy Ortiz), publicada na Love and Rockets 22 (1987), sua arte e narrativa já estão maduras, mas o reconhecimento da crítica só viria com Flies on the Ceiling, alguns anos depois.
Após o cancelamento da revista Love and Rockets em 1996, Gilbert mergulhou em experimentações narrativas e enredos surreais, tanto em novelas gráficas como em HQs curtas. Jaime, por sua vez, continuou desenvolvendo o universo de Hopey e Maggie, acrescentando novos personagens e dando mais complexidade e profundidade aos já existentes.

Em Love and Rockets New Stories n.3 Gilbert parece ter perdido o rumo. Violência gratuita e bizarrices sexuais indescritíveis infestam suas HQs neste volume. Gilbert havia mostrado obsessão por cenas violentas em suas recentes novelas gráficas Chance in Hell (2007) e Speak of the Devil (2008), mas nunca de forma tão gratuita, com histórias tão frouxas e vazias, ainda mais se comparadas com as três densas narrativas que Jaime apresenta no mesmo livro.

A primeira HQ de Jaime neste volume, The Love Bunglers Part One, pode parecer um pouco ingênua, mostrando o cotidiano de Maggie, mas é apenas o prólogo da tragédia que será mostrada em seguida, em Browntown.

Nas 30 paginas de Browntown Jaime consegue reunir uma variedade incrível de emoções, costuradas de modo preciso e sutil. A HQ narra um episódio da adolescência de Maggie, a partir da mudança de sua família para uma cidade pequena e monótona. O que de início parece ser um drama adolescente – Maggie se sente infeliz e solitária na nova cidade – com breves seqüências de humor protagonizadas pelos irmãos da garota, logo evolui para uma história de dissolução familiar, abuso sexual e assassinato. Jaime passa da comédia para a tragédia com naturalidade impressionante. A última HQ do livro, The Love Bunglers Part Two, faz a conexão entre as duas HQs anteriores de modo inesperado. Jaime encerra sua narrativa de modo pungente, mas habilmente evita o dramalhão. A última página da HQ é tão simples e despojada quanto angustiante, e certamente deixará o leitor com um nó na garganta.
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Nestas três HQs Jaime Hernandez mostra absoluto domínio sobre sua arte. Nos desenhos é um mestre no equilíbrio entre o branco e preto. Seus traços simples e precisos ilustram com perfeição tanto as seqüências cômicas quanto as dramáticas. Sua técnica narrativa é discreta. Jaime, que também é o autor da melancólica e belíssima arte da capa do volume, talvez tenha atingido, com Brownton, o ponto mais alto de sua carreira.


Título: Love and Rockets New Stories n.3
Autores: Gilbert Hernandez e Jaime Hernandez
Editora: Fantagraphics Books
Ano de Edição: 2010
104 páginas

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Eagle, a inovadora publicação que levou os britânicos ao espaço

Eagle foi uma revolucionária, popular e influente revista britânica voltada para crianças e adolescentes. Publicada entre os anos de 1950 e 1969, combinava histórias em quadrinhos e matérias sobre esportes e ciências. Em suas páginas nasceu o personagem de ficção científica Dan Dare, que continua na ativa em HQs escritas por autores como Grant Morisson e Garth Ennis.
O idealizador da Eagle foi o vigário anglicano Marcus Morris, que buscava um jeito inovador de transmitir os ideais da igreja aos jovens. Embora detestasse a violência dos quadrinhos de terror, Morris estava ciente de que nenhuma publicação britânica possuía a qualidade gráfica dos gibis americanos de crime, horror e guerra que tinham se tornado populares entre os jovens britânicos após a Segunda Guerra. Com a ajuda do artista Frank Hampson, desenvolveu o modelo do que seria a Eagle: Uma publicação moderna e educativa, que usaria a linguagem dos quadrinhos para transmitir valores morais de modo sutil, sem preconceitos étnicos e sem impor ideais religiosos.
A publicação foi um sucesso desde a primeira edição, que vendeu cerca de 900.000 cópias. Enquanto as publicações concorrentes mais se pareciam com livros ilustrados contendo longos e enfadonhos textos educativos, a Eagle era mais leve e direta. A arte dos quadrinhos era irretocável e as magníficas ilustrações eram modernas e coloridas. Todas as edições traziam pelo menos um cutaway – ilustração de um veículo moderno, cortada de modo que se pudessem ver as peças em seu interior.


O grande talento da Eagle foi Frank Hampson, criador e principal ilustrador do personagem Dan Dare. A arte de Hampson era extremamente detalhista, e a qualidade da colorização muito superior a dos gibis norte-americanos.


Para atingir um efeito mais realista, personagens e objetos eram desenhados a partir de modelos ou fotos. Muitas vezes a própria equipe de ilustradores posava para a criação da arte.


Os roteiros das aventuras espaciais eram ingênuos, mas havia grande preocupação com a plausibilidade científica. O escritor Arthur C. Clarke contribuiu como consultor para várias HQs.


Hampson abandou definitivamente as HQs de Dan Dare em 1959 e o personagem passou a ser desenhado por outros artistas. A última HQ de Dan Dare para a Eagle foi publicada em 1967, com arte bem inferior a dos anos 1950.
A derradeira contribuição de Hampson para a Eagle foi a HQ The Road of Courage, sobre a vida de Jesus Cristo, feita a partir de minuciosa pesquisa iconográfica.
A partir de meados da década de 1960 as vendas da publicação caíram drasticamente. Os editores tentaram acompanhar as mudanças de comportamento dos leitores, incluindo matérias sobre música pop, mas pouco adiantou. Em meio à explosão da contracultura, a publicação parecia irremediavelmente reacionária.
A última edição da Eagle saiu em Abril de 1969, poucos meses antes da chegada do homem à Lua. A Eagle serviria de modelo para incontáveis publicações em todo o mundo. Dan Dare se tornaria personagem de programas de rádio e TV, seria citado em músicas do Pink Floyd (Astronomy Domine) e David Bowie (D.J.) e serviria de inspiração para vários outros personagens de ficção científica. A arte de Dave Gibbons seria muito influenciada pelo estilo de Hampson. Dan Dare também é citado em The League of Extraordinary Gentlemen: Black Dossier, de Alan Moore.
Várias coletâneas foram lançadas reunindo material da Eagle. Em geral esses livros mais se parecem com cadernos de recortes – um amontoado de matérias, ilustrações reduzidas e HQs incompletas, com poucas informações sobre os autores. Mesmo assim certas matérias acabaram adquirindo um humor involuntário, como esta abaixo, que mostra como seriam os computadores pessoais nos anos 1990.


Algumas propagandas também se tornaram hilárias, como a deste brinquedo dos anos 1960, obviamente perigoso. Será que o Inmetro aprovaria?